sexta-feira, fevereiro 18

Unidas no mundo, Kia e Hyundai adotam estratégia diferente no Brasil

A nova fábrica da Hyundai, que está sendo construída em Piracicaba (SP), vai acirrar a disputa no segmento de carros pequenos, onde os coreanos ainda não atuam.

Uma parceria que no mundo ajuda duas marcas a formarem uma força única para competir no mercado, tomou, no Brasil, um caminho inverso. Na tentativa de evitar que uma dívida tributária com o governo federal atrapalhe a conclusão da construção de uma fábrica em São Paulo, o grupo Hyundai/Kia decidiu apresentar-se de maneira separada no Brasil.

Não se trata de um divórcio verdadeiro. O namoro está mais sério do que nunca. Mas quase fingir que um não tem nada a ver com o outro poderá ajudar na estratégia do grupo. Sob essa ótica, a Hyundai quer passar ao largo das disputas judiciais enfrentadas no Brasil pela Kia Motors, que tenta na Justiça evitar que recaiam sobre ela dívidas tributárias cobradas de uma empresa da qual foi sócia nos anos 90.

A estratégia busca ignorar a histórica parceria. Em meio à crise nas montadoras coreanas, em 1998, a Hyundai, o grupo mais forte do setor naquele país passou a controlar a Kia. Hoje a empresa é a sua maior acionista, com uma participação próxima de 38%. Nessa aliança com a Hyundai, a Kia carregou a Asia Motors, uma operação fracassada, que havia adquirido um ano antes, e que acabou sendo fechada.

No meio da história apareceu um antigo projeto de construção de uma fábrica da marca Asia Motors no Brasil, que envolvia como sócios importadores locais. O projeto usou benefícios fiscais do regime automotivo, mas deixou uma dívida que chega a R$ 1,7 bilhão, em fase de execução fiscal na Justiça hoje.

Com o encerramento das atividades da Asia Motors, restou ao fisco brasileiro cobrar a conta não paga de seus sócios. Tramitam na Justiça Federal várias execuções fiscais contra a Asia Motors do Brasil. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) tenta responsabilizar, além da AMB, seus três sócios brasileiros e a Kia Motors.

O problema é que se o fisco conseguir emplacar na Justiça o argumento de que a Kia, como controladora da Asia Motors do Brasil, deve ser responsabilizada pelas suas dívidas, a conta pode acabar recaindo sobre a Hyundai. A Kia não tem patrimônio e nem CNPJ no Brasil, uma vez que atuava apenas como sócia estrangeira da Asia Motors do Brasil. Logo, a Justiça pode entender, diante de argumentos do fisco, que nesses casos cabe à controladora - portanto à Hyundai - pagar a conta.

No ambiente em que velhos parceiros parecem ter se afastado, prevalece o silêncio e muita descrição no momento em que o mais importante para o grupo no país é erguer sua nova fábrica, no terreno de mais de um milhão de metros quadrados na proximidade da rodovia Luiz de Queiroz (SP 304), em Piracicaba. Os importadores locais não dão entrevistas. A matriz na Coréia preferiu adiar respostas às questões enviadas pelo Valor.

A Prefeitura de Piracicaba está em clima de festa por finalmente ver o início da construção de um projeto para o qual assinou um compromisso de sigilo há três anos. No terreno da obra, vizinha a um enorme canavial, não se faz propaganda de que ali está para nascer uma das futuras maiores montadoras do Brasil. O nome da Hyundai aparece apenas na pequenas placas que servem para orientar os caminhões que levam material para a construção. Mas a fábrica que ainda não existe pode ser imaginada nas placas que determinam onde ficará cada etapa da linha, como pintura, estamparia, etc - com fundo azul e letras em branco, as informações estão em português e coreano.

Até agora a Hyundai não é ré em nenhuma das ações abertas pelo fisco contra a Asia Motors do Brasil e suas sócias. Nem mesmo Kia responde pelas dívidas - trata-se de uma tentativa do fisco de responsabilizá-la. No entanto, fontes que acompanham de perto as negociações envolvendo o setor automotivo afirmam que a dívida de R$ 1,7 bilhão já foi tema de conversas de representantes da Hyundai com candidatos à Presidência da República no ano passado.

A solução para o impasse é muito mais política do que jurídica. De um lado, o governo, para abrir mão da cobrança da dívida em prol da instalação de uma montadora do porte da Hyundai no país, depende da aprovação de uma lei garantindo anistia e perdão de dívidas a quem descumpriu as regras do regime automotivo - um ônus político difícil de engolir. De outro lado, insistir na cobrança da dívida significa deixar para a Justiça a palavra final sobre a responsabilidade da Hyundai, e, consequentemente, em aberto a possibilidade de que a gigantesca fábrica em construção em Piracicaba seja penhorada por uma decisão judicial assim que abrir as portas.

No mundo, já se tornou comum na indústria automobilística adotar as parcerias como forma de reduzir custos no desenvolvimento de projetos e reforçar vendas, Hyundai e Kia se juntaram, mas mantém estratégias de marketing e vendas separadas, em todo o mundo. Isso acontece, por exemplo, com Peugeot e Citroen, que pertencem a um único grupo. Ou mesmo Renault e Nissan. A parceria aparece até no esporte. Recentemente a Fifa anunciou que o grupo Hyundai/Kia será patrocinador nas próximas três copas do mundo.

FONTE: INTELOG

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